No presente artigo, contamos a história das carruagens SOREFAME que equiparam e equipam a CP Comboios de Portugal.
Em Portugal, na década de 50 do século XX, havia no parque de carruagens de linha e de via larga, poucas unidades em que a caixa era totalmente metálica, como as Budd e as Schindler, que chegaram dos Estados Unidos e Suíça, respetivamente. Além destas, hava ainda algumas metálicas compradas décadas antes, mas já com bastantes anos de vida útil, de antigos construtores e não homógeneas em virtude disso, algumas só de eixos e outras dotadas de bogies. Durante esta década de 50′ e ao abrigo do Plano de Fomento, a CP encetou um plano de modernização, como nunca teve e com o advento da eletrificação em grande escala, era necessário adquirir carruagens modernas e que fossem compatíveis entre si, uniformizadas e obedecessem às normas da UIC, no plano técnico.
No dia 5 de Setembro de 1952, a CP firmou um contrato com a Carel Fouché & Compagnie – Établissements, para o fornecimento de 7 carruagens mistas de 1.ª e 2.ª classes A3-D5. Com a sua chegada a Portugal, começa o advento das carruagens SOREFAME na CP, e é precisamente baseado na arquitetura destas carruagens que a engenharia da SOREFAME Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas, com enormes instalações na Amadora, concebe e planeia a construção desta nova família de carruagens, que sublinhamos eram para a época de grande classe. Todas as 392 carruagens entregues à CP são de estrutura tubular inteiramente metálica, e de um novo tipo, não havendo mais carruagens de madeira, como anteriormente. A SOREFAME conseguiu obter do fabricante americano The Budd Company, a licença necessária para a construção em que a caixa é em aço inox canelado e a soldadura é feita por meio de fusão elétrica, método usado nos Estados Unidos pela Budd, na conceção das suas carruagens então na altura a serem entregues à Amtrak (o mesmo que CP, mas na terra do tio Sam).
Carruagens Amfleet da Amtrak
De salientar que estas carruagens americanas denominadas Amfleet, são totalmente distintas das da CP, pois são de estilo americano e diferentes do modelo standard europeu, de que as da CP são fiéis. Desta grande família, destaca-se as puras SOREFAME que foram entregues entre 1959 e 1975 e somam 334 unidades e fecham esta grande família as 58 carruagens denominadas CORAIL e que derivam diretamente das VTU da SNCF, a nível de interiores, com licença da Alsthom, mas com caixa projetada e concebida pela SOREFAME, igualmente em aço inox, mas em que o canelado é mais alongado e arredondado, ou seja menos saliente, foram entregues em 1985, e são estas as últimas carruagens que a SOREFAME construiu, antes do seu encerramento e também as mais modernas. As carruagens SOREFAME em aço inox, possuem a grande vantagem, de terem vida longa, pois ainda hoje, circulam carruagens fabricadas na década de 60 do século passado em que a caixa está sã, não apresenta corrosão, outra vantagem é de não necessitar de pintura, ao contrário das outras que são em aço macio, como as Schindler’s que obrigam a uma pintura da caixa e estão mais sujeitas à corrosão, embora as de aço macio sejam mais fáceis de consertar em oficina do que as em aço inox. Aliás a CP já fez uma livrée nas carruagens afectas aos comboios IC, com a aplicação de vinil, que resulta sempre melhor do que pintar diretamente em aço inox.
As carruagens puras SOREFAME são 334 veículos e entregaram-se em 3 fases, e as 58 CORAIL foram a 4ª fase, e compreendem além das carruagens, também furgões e ambulâncias postais, e todas as unidades possuem bogies, não havendo mais carruagens de eixos nesta mega encomenda. Com a chegada deste moderníssimo parque de carruagens de linha, de via larga (1668 mm), a CP encostou e retirou de serviço todas as carruagens antigas que tinha, algumas ainda com a caixa em madeira e outras forradas a chapa, já muito obsoletas. Ao contrário do que sucedia antes, nenhuma destas carruagens, tinha 3ªclasse, só 1ª, 1ª/2ª e 2ª, e as CORAIL foram as únicas deste lote a terem de origem Air Conditioned e temperatura interior moderada e regulada, dando um perfeito ambiente e bem estar aos passageiros assim como um excelente nível de insonorização.
Importante referir que neste pedido feito pela CP, surgem 13 veículos (ambulâncias) que também consideramos neste estudo e que foram matriculados na CP, mas que eram propriedade dos CTT Correios e Telecomunicações de Portugal. Mais tarde, quando os CTT, deixaram de transportar correio por caminho de ferro, descontinuando um serviço exercido já com muitas décadas, estas ambulâncias passaram para a posse da CP, que as utilizou como furgões.
Por necessidade de melhorar a oferta comercial, a CP, depois de ter recebido estas carruagens e durante vários anos procedeu à transformação de algumas delas e criou novas séries distintas das primitivas, tendo algumas delas voltado passado um tempo à disposição anterior que tinham de origem, como por exemplo as carruagens especiais de 1ª classe 89-50 000, conhecidas na gíria como ‘Bataclã’ num total de 6 unidades, eram anteriormente carruagens 10-69 500, a maioria das carruagens afectas aos comboios Intercity, que não CORAIL, procedem da transformação das carruagens 21-69 000 e outro exemplo, as carruagens restaurante 88-40 000, eram da série 22-40 000 e a carruagem CORAIL VIP, era antes de ser transformada, uma da série 19-74 000, entre outras situações similares.
Numa opção errada, segundo nosso parecer que na altura referimos, durante o consulado do anterior presidente António Ramalho, a CP procedeu à venda no mercado de ocasião, de um vasto lote de locomotivas térmicas, automotoras e sobretudo carruagens SOREFAME, que estavam em perfeito estado de utilização e foram enviadas para operadores argentinos, e que vieram anos mais tarde a provocar o colapso na oferta de comboios regionais à clientela, o que levou em várias zonas à supressão de comboios, especialmente no Minho e Douro, Oeste e Algarve, com protestos generalizados por parte dos clientes CP e que provocou enormes danos de imagem à operadora ferroviára estatal, nos últimos anos como se sabe, ao ponto de a CP ficar com um parque muito curto, provocando enormes problemas de rotações de material devido à falta de material motor e rebocado. A fim de corrigir a má decisão tomada, a CP viu-se obrigada a socorrer-se da RENFE, sua congénere em Espanha e o único operador europeu que possui material circulante apto a circular em Portugal, em que o problema da bitola não se coloca, por ser comum em Portugal e Espanha, e vieram como último recurso mais de uma vintena de automotoras térmicas da série 592 000 e mais tarde estendida com mais unidades da série 592 200, conhecidas na gíria como “camelas” num contrato de leasing anual de vários € milhões. O material SOREFAME está autorizado a rolar até aos 140 km/h e aliado ao facto de não terem ar condicionado instalado, levou à sua descontinuação no serviço Interregional e Regional, o que foi um erro colossal, dificil de compreender, causaundo ainda mais disfunções e problemas. No sentido de corrigir estas más decisões, a CP hoje e através de uma nova dinâmica encabeçada pelo Engº Nuno Freitas, seu presidente, mandou a CP Manutenção e Engenharia, divisão criada com a migração à casa mãe da antiga subsidiária EMEF em janeiro de 2020, fazer um trabalho de enorme valor, está a ressuscitar para o serviço ativo, algumas destas carruagens SOREFAME e outras como as Schindler”s que estavam abandonadas e que apresentam uma excelente refurbished e que é aplaudida por muitos clientes e railfans, colocando-as de novo ao serviço, acabando com as supressões de comboios verficada anos antes e que foi muito penalizador na oferta que a CP deixou de fazer, aos seus clientes. Claro que há sempre despesa a fazer, caso se queira valorizar e acrescentar qualidade ao parque de material rebocado, mas estas carruagens com linhas modernas e atuais (especialmente as da III fase e as CORAIL), são aliás de fácil modernização, com a instalação de ar condicionado e mais velocidade, trocando bogies, e a nível de interiores, uma nova disposição mais moderna e atual é ouro sobre azul, pois a caixa encontra-se em perfeitas condições, não apresentando corrosão, não necessitando de cuidados maiores, o que atesta a qualidade excelente do material SOREFAME, mesmo depois dos maus tratos a que foram sujeitas, cumprem todos os requisitos de segurança a que estão obrigadas, pelas normas da UIC Union Internationale des Chemins de Fer, de que a CP é membro ativo fundador.
As tipologias originais desta encomenda é a seguinte:
Tipo de Veículo | Quantidade |
Carruagens | 358 |
Furgões | 21 |
Ambulâncias Postais | 13 |
TOTAL | 392 |
Tipologia | Classe | Quantidade |
Carruagens Puras | 1ª | 70 |
1ª 2ª | 16 | |
2ª | 211 | |
Carruagens CORAIL | 1ª | 29 |
2ª | 29 | |
Furgões | x x x | 21 |
Ambulâncias Postais | x x x | 13 |
dos quais | ||
Sentados em Salão | 1ª | 39 |
“ | 2ª | 149 |
Sentados em Salão c/Bar | 1ª | 10 |
Sentados em Compartimentos | 1ª | 50 |
“ | 1ª 2ª | 16 |
“ | 2ª | 91 |
Sentados em Salão Restaurante-Bar | x x x | 3 |
Muito importante: Todas as carruagens das I, II e III fases e as transformadas também, cumprem as normas da UIC e do RIC e podem circular em tráfego internacional com Espanha. O seu regime de exploração indicado na numeração UIC é 51 94 seguido da série correspondente. As carruagens da IV fase CORAIL mais as SOREFAME transformadas e afectas aos comboios Intercity (séries 10-74 000, 10-97 000, 20-74 00, 20-97 000, 85-74 100 e 85-97 100) cumprem igualmente as normas UIC e do RIC e tinham de origem o Regime de Exploração 50 94 na numeração UIC e só podiam circular em Portugal no tráfego doméstico. Mais tarde estas carruagens foram modificadas no sentido de poderem circular a 200 km/h em lugar dos 160 km/h de origem e por isso, foi-lhe alterada a numeração UIC (a verde) e o Regime de Exploração passou a ser 61 94, seguido da respetiva série.
APRESENTA-SE DE SEGUIDA O PERFIL DE CADA MODELO
Nota: As numerações UIC a azul, inseridas por baixo de cada modelo, são carruagens resgatadas e colocadas de novo em serviço, durante a presidência do Engº Nuno Freitas, presidente da CP, desde 2019.
I FASE
1959/1960 APyf 00-29 101 a 103
1960/1962 A9yf 871 a 892 / 19-22 012 a 033
1962/1963 AB9yf 831 a 837 / 39-20 001 a 007
1963/1964 B9yf
1963/1964 SRyf 861 a 863 / 88-50 001 a 003
1965 APyf 00-29 071 a 080
II Fase
1967/1968 BSyf 1401 a 1440 / 22-69 001 a 040
1968/1969 B11yf 1051 a 1100 21-69 001 a 050
III Fase
1971/1972 A10yf / 10-69 001 a 028
1971/1972 AB10yf / 30-69 001 a 009
1971/1972 ASyf 1111 a 1130 / 10-69 500 a 519
10-69 507-5
1971/1973 Dyf 551 a 571 / 92-69 001 a 021
1973/1974 22-40 001 a 080
1974/1975 21-40 001 a 030
IV Fase
1985 19-74 001 a 019
1985 29-74 001 a 029
1985 84-74 001 a 010 (a)
Nota: (a) Passado pouco tempo, de estarem ao serviço, o código UIC foi alterado e a CP procedeu à correção da numeração para este tipo de carruagens, passando a ser 85-74 001 a 010, em vez de 84-74 001 a 010. Aliás, não entendemos esta alteração, porque no código UIC o número 84 é atribuído para este tipo de carruagens com bar e com lugares sentados em 1ªclasse, o que está correcto, e o número 85 é atribuido da mesma forma, com a diferença dos lugares sentados serem de 2ª classe, o que na realidade está errado, estas CORAIL são de 1ª e não de 2ª, como é sabido.
TRANSFORMADAS
10-40 000
10-74 000
10-97 000
19-97 000
20-69 000
20-74 000
20-97 000
21-97 000
85-40 000
85-40 010
85-50 000
85-74 100
85-97 000
85-97 100
88-40 000
88-40 003
88-40 004
89-50 000
89-74 000
89-97 000
Lista-se no quadro abaixo, as séries de carruagens SOREFAME, resultantes de transformações de séries primitivas (ver lista em cima). As séries a verde são transformação únicamente na numeração UIC, não houve alteração a nível da disposição interior.
Série UIC | Numeração UIC | Unidades | Série Primitiva (Fonte) | Data de Transformação | Disposição Interior | Classe |
10-40 000 | 10-40 001 a 003 | 3 | 22-40 000 | Sentados em Salão | 1ª | |
10-74 000 | 10-74 001 a 003 | 3 | 22-69 000 | Sentados em Salão | 1ª | |
10-97 000 | 10-97 001 a 003 | 3 | 10-74 000 | Sentados em Salão | 1ª | |
19-97 000 | 19-97 001 a 010 | 10 | 19-74 000 | Sentados em Salão | 1ª | |
20-69 000 | 20-69 001 a 005 | 5 | 30-69 000 | Sentados em Compartimentos | 2ª | |
20-74 000 | 20-74 001 a 031 | 31 | 21-69 000 | Sentados em Salão | 2ª | |
20-97 000 | 20-97 001 a 031 | 31 | 20-74 000 | Sentados em Salão | 2ª | |
21-97 000 | 21-97 001 a 029 | 29 | 21-74 000 | Sentados em Salão | 2ª | |
21-97 000 | 21-97 030 a 037 | 8 | 19-74 000 | Sentados em Salão | 2ª | |
85-40 000 | 85-40 001 a 003 | 3 | 19-22 000 | 1983 e 1984 | Sentados em Compartimentos c/Bar | 1ª |
85-40 000 | 85-40 011 a 015 | 5 | B9yf | Sentados em Compartimentos c/Bar | 1ª | |
85-50 000 | 85-50 001 a 004 | 4 | 21-69 000 | Sentados em Compartimentos c/Bar | 2ª | |
85-74 100 | 85-74 101 a 111 | 11 | 22-69 000 | Sentados em Salão c/Bar | 1ª | |
85-97 000 | 85-97 001 a 010 | 10 | 85-74 000 | Sentados em Salão c/Bar | 1ª | |
85-97 100 | 85-97 101 a 111 | 11 | 85-74 100 | Sentados em Salão c/Bar | 1ª | |
88-40 000 | 88-40 001 a 002 | 2 | 22-40 000 | Sentados em Salão Restaurante | x x x | |
88-40 000 | 88-40 003 | 1 | 89-50 000 | 1985 | Sentados em Salão Restaurante | x x x |
88-40 000 | 88-40 004 | 1 | 30-69 000 | 1985 | Sentados em Salão Restaurante | x x x |
89-50 000 | 89-50 001 a 006 | 6 | 10-69 500 | 1977 | Sentados em Salão Especial Club (Bataclã) | 1ª |
89-74 000 | 89-74 001 | 1 | 19-97 000 | Sentados em Salão Especial VIP | 1ª | |
89-97 000 | 89-97 001 | 1 | 89-74 000 | Sentados em Salão Especial VIP | 1ª |
Feito em Faro, em 15 de Março de 2021, no 44º ano da nossa fundação
Luís Moreira
© 2021 – Conceção do Departamento de Estudos da LUISFER
Perfis das carruagens, agradecimento especial a Eugénio Santos.